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Dentre inúmeras definições ou conceitos sobre arte, prefiro “a coisa mental” de Leonardo da Vinci. Também a “Merda de Artista” de Piero Manzoni, e o “salto no vazio” de Yves Klein. Ou o “exercício experimental da liberdade”, de Mário Pedrosa.

Assim, meu trabalho é “exercício experimental” ou “peças de laboratório” entre cultura e vivência. Filho de operário, vivi em bairro a contornar indústria com fornos para carbureto e ferro silício. E, na infância e adolescência, fiz muitos desenhos daqueles fornos, e vi fogo, fumaça, líquidos incandescentes, produtos resultantes nas fundições, e materiais ali utilizados: cal, carvão, pedra, quartzo, sucata... (e sempre usei essas matérias em minhas instalações, objetos, colagens, desenhos, “pinturobjetos”, fotografias, etc).

Daí minha fascinação por fundições não especializadas em obras de arte, e que produzem cópias precárias, próteses incorretas, arcaicas reproduções... (o que talvez possibilitaria remeter, em oscilante aproximação capenga, ao célebre texto de Walter Benjamin: A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução).

Também vem de minha vivência nesse pobre bairro operário, o evidente e explícito contraste entre a tecnologia daqueles fornos, perante o improviso das inúmeras “gambiarras” presentes nas casas e quintais dos habitantes do lugar.

E gambiarras são “soluções provisórias para situações de emergência”. Ao ocorrer acidente, ou necessidade urgente, a engenhosa e inventiva sabedoria popular resolve aquilo com simples remendo, “provisoriamente”: pedaços de madeira amarrados com arame, por exemplo.

Mas o tempo passa, e aquilo que seria provisório, torna-se permanente. Então comecei a me apropriar de gambiarras como espécies de ready-mades, e a fazer “próteses de gambiarras” fundidas em alumínio, cobre, ferro, bronze, parafina, cera de abelha, etc; sendo que matérias fundidas sugerem, na teoria, algo que se torna também permanente.

Trata-se, portanto, de ironia (ou poética) sobre essas práticas da cultura popular, em contradição ou contraponto aos processos industriais. E minha forma de trabalhar esses projetos centra-se no tridimensional. Não como escultura; mas, instalações. Mesmo sobre o papel ou painel/tela, faço justaposições de matérias reais sobre esses suportes, o que gera quase uma planta-baixa, em relevo e na vertical, de determinada instalação.

Porém é processo em aberto. No atrito ou confronto entre fragilidade e caos; e sem a precisão da síntese. E o resultado disso se traduz na construção de pinguelas, gambiarras, containers, paliativos, molambos, maltrapilhos, pindaíbas... canteiro de obras.

 


César Brandão

outubro de 2017

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