SOBRE "PEDINTES"

 

Mãe era muito católica e nos obrigava, crianças, a irmos à missa, aos domingos. E um dos momentos mais constrangedores, quando aparecia o sacristão com longo bastão de madeira e saco de tecido escuro na ponta, e passeava aquilo abaixo de nossos narizes, a pedir esmola para a igreja. Pobres, miseráveis mesmo, nada eu tinha para depositar ali, e vermelho ficava, de vergonha.

E o trabalho “pedintes” nada mais é que espécie de “ready-made”, apropriação irônica daquele objeto inquietante a agredir nossa falta de dinheiro.

Mas ao invés de ser objeto longo, optei por curta “gambiarra” fundida em alumínio. E no lugar daquele saco de tecido escuro a esconder o conteúdo recolhido, preferi tecido ordinário, aniagem, utilizado para fabricar sacos de batatas e, telado, para exibir entre as tramas tecidas o dinheiro, isca, em seu interior.

Também em oposição a aquele objeto em movimento pela igreja, preferi objeto inerte, fixado à parede, a esperar doação. E ao seu lado, parafusada, placa também em alumínio fundido, a expor o explícito título, quase que de modo berrante: “pedintes”.

Afinal, a maior parte da população do mundo, quando tem a sorte de escravizante emprego, vive a contar as migalhas do salário para tentar sobreviver. Assim, com emprego ou sem emprego, somos todos mendigos; constantes “pedintes”.

E sem qualquer deus. Às dívidas.

 

César Brandão

março/2019